No início da década de 1990, Cuba criou a Rede Vespa, um grupo
de doze homens e duas mulheres que se infiltrou nos Estados
Unidos e cujo objetivo era espionar alguns dos 47 grupos
anticastristas sediados na Flórida. O motivo dessa operação
temerária era colher informações com o intuito de evitar ataques
terroristas ao território cubano. De fato, algumas dessas
organizações ditas “humanitárias” se dedicavam a atividades como
jogar pragas nas lavouras cubanas, interferir nas transmissões da
torre de controle do aeroporto de Havana e, quando Cuba se
voltou para o turismo, depois do colapso da União Soviética,
sequestrar aviões que transportavam turistas, executar atentados a bomba em seus
melhores hotéis e até disparar rajadas de metralhadoras contra navios de passageiros em
suas águas territoriais e contra turistas estrangeiros em suas praias.
Em cinco anos, foram 127 ataques terroristas, sem contar as invasões constantes do espaço
aéreo cubano para lançar panfletos que, entre outras coisas, proclamavam: “A colheita de
cana-de-açúcar está para começar. A safra deste ano deve ser destruída. [...] Povo
cubano: exortamos cada um de vocês a destruir as moendas das usinas de açúcar”. Em
trinta ocasiões, Havana formalizou protestos contra Washington pela invasão de seu espaço
aéreo por aviões vindos dos Estados Unidos - sem nenhum efeito. Enquanto isso, em
entrevistas, líderes anticastristas na Flórida diziam explicitamente: “A opinião pública
internacional precisa saber que é mais seguro fazer turismo na Bósnia-Herzegovina do que
em Cuba”. Os últimos soldados da Guerra Fria narra a incrível aventura dos espiões cubanos em
território americano e revela os tentáculos de uma rede terrorista com sede na Flórida e
ramificações na América Central, e que conta com o apoio tácito nos Estados Unidos de
membros do Poder Legislativo e com certa complacência do Executivo e do Judiciário. Ao
escrever uma história cheia de peripécias dignas dos melhores romances de espionagem,
Fernando Morais mostra mais uma vez como se faz jornalismo de primeira qualidade, com
rigor investigativo, imparcialidade narrativa e sofisticados recursos literários.
Confira entrevista com Fernando Morais sobre o processo de pesquisa para
Os últimos soldados da Guerra Fria
Qual foi seu primeiro contato com a história dos membros da Operação Vespa, os espiões
cubanos em Miami?
Eu soube da história no dia das prisões dos dez agentes cubanos pelo FBI, em setembro de
1998. Ouvi a notícia no rádio de um táxi, no meio do trânsito, em São Paulo, e na hora
pressenti que ali havia um livro embutido. Viajei a Cuba para tentar levantar o assunto,
mas encontrei todas as portas fechadas. Para se ter uma ideia, Cuba só assumiu que eles
de fato eram agentes de inteligência três anos depois, em 2001. O tema era tratado como
segredo de Estado.
Como foi pesquisar em Cuba? Você teve pleno acesso a documentos oficiais? E do lado
norte-americano?
Os cubanos só liberaram o assunto para mim no começo de 2008. A partir de então fiz
cerca de vinte viagens a Havana, Miami e Nova York. O governo de Cuba liberou todo o
material disponível e permitiu que eu entrevistasse quem quisesse, inclusive mercenários
estrangeiros que haviam sido presos depois de colocar bombas em hotéis e restaurantes
turísticos de Cuba e que tinham sido condenados à morte. Nos Estados Unidos foi mais difícil. Como os agentes do FBI são proibidos de dar
declarações públicas, só consegui entrevistas em off. Mas graças ao FOIA – Freedom of
Information Act, a lei que regula a liberação de documentos secretos - e após pesquisas nos
arquivos da Justiça Federal da Flórida, tive acesso a cerca de 30 mil documentos enviados
pela Rede Vespa a Cuba e que haviam sido apreendidos pelo FBI nas casas dos agentes
cubanos em Miami. E os serviços de inteligência cubanos me deram uma cópia do
megadossiê sobre o terrorismo na Flórida que Fidel Castro entregou a Bill Clinton com a
ajuda do escritor Gabriel García Márquez.
Quais personagens do livro você conseguiu entrevistar? Poderia falar um pouco deles?Ao todo fiz quarenta entrevistas. Foram dezessete em Cuba, 22 nos Estados Unidos, e no
México entrevistei a cantora brasileira De Kalafe, que havia sido vítima da intolerância de
líderes anticastristas na Flórida. Entrevistei diretamente um dos presos, René González,
via e-mail, e os demais por intermédio de seus familiares em Cuba. As mensagens (as
minhas perguntas e as respostas deles) eram previamente censuradas pelas direções das
prisões e limitadas a 13 mil caracteres por semana - se tivesse uma letra ou uma vírgula a
mais, a mensagem se autodestruía.
Entrevistei, também pessoalmente, o agente que fugiu clandestinamente para Cuba antes
das prisões, o piloto de caças-bombardeiros Juan Pablo Roque. Em Nova York entrevistei o
jornalista Larry Rohter, do New York Times, que teve a casa metralhada e os freios de seu
carro cortados depois que escreveu reportagens denunciando a ligação de lideranças
anticastristas da Flórida com os atentados a bomba contra Cuba. E em Miami entrevistei
líderes anticastristas diretamente envolvidos com os atentados contra Cuba, como o líder
da organização Hermanos al Rescate, José Basulto.
As organizações de extrema direita descritas no livro continuam atuantes na Flórida?
Os tradicionais inimigos da Revolução Cubana, os autodenominados anticastristas
verticales, estão morrendo ou já estão muito velhinhos. Quando eu terminava o texto final
do livro, por exemplo, morreu Orlando Bosch, que era considerado o inimigo número 1 de
Fidel Castro. Ainda é possível ver em Miami manifestações de rua contra a Revolução, mas
as novas gerações parecem mais interessadas em ouvir salsa do que em colocar bomba
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