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"Morei no Alegrete, mas não fui peão de estância". De vez em quando me tocava para um sítio, fazenda ou latifúndio para observar o pampa. Os animais não me chamavam muita atenção a menos que dois se atracassem a fazer amor. Eu era um guri de 12, 13 anos e sempre é uma cena bonita e estranha de se ver. Principalmente pelo tamanho da ação. Mas a parte preferida mesmo era o matear com os peões, longe da casa principal.
Não tomo mate e isso é culpa da Bahia que me alfabetizou (a, bê, cê, dê, É) em Ibicuí, longe da gauderiada. E no meio dos peões a cuia passava batida por mim. Os capatazes me entendiam e nada falavam. Era o silêncio perfeito. No campo, não há pressa. Há a labuta campeira, pesada, mas no mate, na roda, geralmente com uma fogueira ao centro e o estalar da madeira queimando, o silêncio berra. Aos angustiados da cidade grande seria ensurdecedor. Um monte de nêgo amontoado num galpão, em silêncio, sorvendo água quente e tudo está certo. Um rompante palavreado pode surgir, mas nada muito aprofundado: “Acharam o “loco” que tá roubando os “terneiro” do Seu Alfeu lá no Itapororó?!”. Outro responde: “Não”. E deu: finda a conversação. Por lá, os peões escolhem a hora, o local e como trocar palavras. Ninguém os impõe como, quando e onde se entreter nas rodas de mate.
E com esse mesmo preceito, o “onde e quando você quiser”, que um serviço como o Netflix está a revolucionar o entretenimento de telas. Explicando para um dos peões lá da fronteira: Netflix é um serviço que se espalha pelo planeta – 40 países até agora. Por uma tecnologia chamada streaming – a mesma do YouTube e do Tube8 – você assiste no seu smartphone, computador, tablet e TV – se ela está linkada à internet – filmes, documentários e séries. A lógica é se entreter a hora e no meio que quiser.
A sede da companhia é Los Gatos, EUA, Vale do Silício. Os salários dos 900 empregados são 20% maiores que os dos peões do Facebook, Google e Apple e os boludos podem tirar férias por quanto tempo quiser, desde que batam as metas anuais no tempo certo. Tipo: seis meses de descanso no Pantanal após criar um algoritmo que ajuda servidores a sacar o que o brasileiro mais vê no Netflix e obrigar servidores a trabalhar de forma mais eficiente àquela região.
E o preço? Aqui entra a alma do negócio. Ele tem uma assinatura mensal de R$ 16,90 e você pode assistir tudo que aguentar. Convenhamos que um preço justo, digno. O defeito é que o manancial de séries e filmes disponível no Brasil não é como o para norte-americanos. Estou sendo pago pela Netflix para escrever esse texto? Não. Eu é que deposito para eles. É que revoluções como essas me encantam. É que a possibilidade de o ser humano escolher a hora e como se divertir na frente de uma tela me seduz. É que quando uma boa sacada chega, ganha espaço e sacode os grandes canais de TV e os gigantes estúdios de produções de filmes e séries algo me excita.
Os peões lá do Alegrete ainda não sabem dessa revolução. E nem querem saber. E nem precisam. Porque com a tecnologia só há dois caminhos: ou você a usa bem e sacode o mercado da fotografia (Instagram), dos relacionamentos humanos (Facebook), de vídeos (YouTube), de respostas para quase tudo (Google), de catar uma percanta (Tinder) ou você vai acabar escrevendo um blog.