Você é mais inteligente que um computador
Toda vez que você vai preencher um formulário na internet, fazer cadastro em um site ou começar um download, lá estão elas.
De vez em quando, as letras estão meio embaralhadas, meio tortas, difíceis de ler. Aí você leva uns 10 segundos até decifrar a palavra – e acha que nunca mais vai ter de volta o tempo perdido. Acontece que, sem saber, você fez a sua parte para deixar a internet um pouco mais democrática. O plano de transformar seu tempo em uma moeda valiosa que compra conhecimento veio desse cara:
Quando era pequeno, na Guatemala, Luis Von Ahn queria um Nintendo. Ganhou dos pais um computador. Nos anos 1980, os computadores pessoais não eram muito diferentes de uma calculadora científica. Qualquer criança de 8 anos acharia um saco. Ele não. Luis Von Ahn, que já era bom em matemática, fuçou, programou, calculou, e criou os próprios jogos. Nunca mais largou a computação.
Luis saiu da Guatemala em 1996 depois de se formar no colégio. Quatro anos depois, junto com o diploma em matemática na Universidade de Duke veio também um projeto pioneiro, fruto de experiências de Von Ahn com o cientista da computação venezuelano Manuel Blum. A ideia era, basicamente, estabelecer um teste simples capaz de separar robôs de usuários de carne e osso na internet. Nasceu o CAPTCHA, que você já conhece.
Era perfeito. O primeiro site gigante a usar o sistema foi o Yahoo, em 2000. Não demorou até o CAPTCHA se espalhar. Aos poucos, cada vez mais pessoas perdiam segundos preciosos para provar que eram humanos na internet. Luis foi ficando incomodado com essa perda. E decidiu: o serviço precisava ser mais útil. A inspiração para o upgrade ele foi buscar nas próprias memórias, quando ainda era um adolescente nerd na América Central.
Flashback: Luis notou que, todo dia, as pessoas iam à academia, onde dedicavam parte do seu tempo à saúde e à estética. De quebra, seus movimentos produziam energia. O jovem nerd teve a ideia brilhante de pegar toda a energia produzida pelos marombeiros e vender às companhias de eletricidade. Fim do flashback. Genial? “Olhando para trás, eu sei que era uma ideia estúpida. Mas a resposta estava ali”, conta Luis. Era só usar o tempo que as pessoas já estão dispostas a oferecer para realizar algo que beneficiasse outras pessoas.
Em 2005, Luis Von Ahn ganhou o título de PhD pela Universidade Carnegie Mellon, nos Estados Unidos. Com orientação de Blum, outro gênio das ciências da computação, a tese dele inaugurou um gênero de jogos que ficou conhecido como “Games with a purpose” (ou “jogos com um propósito”, em português). Funcionava assim: José via uma imagem na tela e precisava descrevê-la com frases e expressões. Ao mesmo tempo, do outro lado do mundo, John fazia a mesma coisa. Depois, um avaliava a descrição do outro. Quem acumulava mais pontos, ganhava. E você, que não tem nada a ver com a história, também. É que as descrições feitas por José e John foram bastante úteis na hora de taguear as imagens da internet afora. Esse sistema de etiquetar figuras foi evoluindo até se transformar na busca de imagens do Google.Foi assim que a ideia adolescente de vender energia gerada pelos ratos de academia se transformou num dos mais importantes conceitos da computação: o crowdsourcing.
Faltava só resolver o problema que tinha inspirado a criação da “computação humana”. Foi quando o CAPTCHA virou ReCAPTCHA. Agora quem queria fazer cadastros e downloads precisa decifrar duas palavras, e não uma só. Sabe aquela vez em que você não conseguiu entender bem se precisava digitar um N ou um M? Um segredo: o computador também não entendeu.Na verdade, uma parte das palavras que aparece no reCAPTCHA saiu de livros antigos que estão sendo digitalizados por programas especializados em transformar imagens escaneadas em arquivos de textos. Das duas que apareceram na sua tela, uma não foi identificada pelos programas. A outra serve para provar que você é humano.
Para o reCAPTCHA, você provavelmente reconhece mais palavras do que o computador. Isso porque, diferente da máquina, você consegue abstrair significados e sabe, por exemplo, que é o M (e não o N) que vem antes do P. Aí, se você e mais 9 pessoas acham que a palavra é CAMPO e não CANPO, o sistema considera que vocês estão certos. Uma palavra digitalizada a mais no mundo. O sistema é capaz de digitalizar 100 milhões de palavras por dia. Mais de 2,5 milhões de livros por ano. Em 2009, o reCAPTCHA foi comprado pelo Google. Luis já perdeu as contas de quantos sites usam o serviço, mas tem na ponta da língua o número de pessoas que já ajudaram a decifrar palavras: 1,1 bilhão.
Em 2011, Luis Von Ahn ainda não tinha conseguido vender energia elétrica e nem realizado o sonho de infância de ter um Nintendo. Mas já tinha ajudado a digitalizar milhões de obras e aprimorar serviços de busca. Estava na hora de dar o próximo passo megalomaníaco. Tipo traduzir a internet. É essa a ideia do Duolingo, um site que oferece cursos gratuitos de idiomas. Das línguas mais faladas do mundo, só falta o mandarim – que deve entrar no jogo nos próximos meses. O sistema também está disponível para smartphones e tablets (clique aqui para baixar). E o aprendizado funciona. “Fizemos um estudo que mostrou que, em 24 de aulas pelo Duolingo, os usuários aprendem mais do que em um semestre de curso presencial de idiomas”. Mas a parte mais importante é outra. Quando você faz um exercício para aprender inglês pelo site, ajuda a traduzir palavras de artigos da CNN, por exemplo.
A revolução do crowdsourcing ainda está no início – e nem sempre funciona bem. “No caso do atentado de Boston, por exemplo, milhares de pessoas se mobilizaram em fóruns e redes sociais para encontrar os culpados – e chegaram à conclusão errada”, lembra Luis. Para ele, a chave para o sucesso de uma iniciativa de crowdsourcing é a curadoria, a centralização dos esforços. Em sua famosa palestra no TED, Luis considera que a parte mais legal desses projetos é poder reunir e coordenar milhões de pessoas que se esforçam pouco para atingirem resultados incríveis. Para os usuários, a grande sacada da computação humana é outra. Os computadores estão cada vez mais autônomos. Mas você ainda é insubstituível.
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