Marco Weissheimer
A Ocupação Jacobina começou no dia 2 de maio deste ano e só nos últimos dias, cerca de um mês depois, ganhou visibilidade nos meios de comunicação. A escolha do nome da ocupação tem uma inspiração histórica e geográfica. A área de 26 hectares localizada ao norte do município de Sapiranga, fica ao pé do Morro Ferrabraz, região que foi cenário de um intenso conflito político, religioso e social, no final do século XIX, envolvendo os Mucker, grupo liderado por Jacobina Maurer. No entanto, a pauta de reivindicações das cerca de 500 famílias que construíram a Ocupação Jacobina agora no início do século XXI é mais simples e não tem pretensões religiosas. Reivindicam o cumprimento do que está previsto no artigo 6º do Capítulo II da Constituição de 1988: o direito à moradia.
Para a maioria, a decisão de partir para a ocupação foi uma necessidade: salários médios de R$ 900 e aluguéis que variam entre R$ 400 e R$ 500. Pagar aluguel, para muitos, passou a significar não ter o que comer. Algumas famílias ainda mantém uma casa alugada, mas decidiram se integrar à ocupação para conquistar uma moradia própria. Outras abandonaram o aluguel ou foram despejadas e mudaram-se definitivamente para o acampamento. No dia 3 de junho, um oficial de justiça comunicou às famílias a decisão da juíza Káren Rick Danilevicz Bertoncello, da 2ª Vara Cível da Comarca de Sapiranga, que determinou que elas devem deixar a área até a próxima quarta-feira (10). As famílias acampadas dizem que não sairão da área sem ter um encaminhamento para suas reivindicações.
Área está no nome do filho da prefeita e do deputado Renato Molling
A área ocupada no início de maio pertence à empresa VLM2 Consultoria, Participações e Empreendimentos LTDA, de propriedade de Vinicius Molling, filho da prefeita de Sapiranga, Corinha Molling (PP) e do deputado federal Renato Molling (PP), que está sendo investigado na Operação Lava Jato. Maria Cezar Santa Ornes, irmã da prefeita, também possui parte da empresa – menos de 1%. Segundo a coordenação do Movimento das Trabalhadoras e dos Trabalhadores por Direitos (MTD), várias tentativas de interlocução com a Prefeitura de Sapiranga já foram feitas desde o início da ocupação, sem nenhum retorno efetivo até agora. As famílias reivindicam a desapropriação da área, que não estaria cumprindo a sua função social, e cobram da atual prefeita a elaboração de projetos para a construção de novas moradias no município, conforme prometeu durante a campanha eleitoral.
Assim como ocorre em outros municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre, a região já foi cenário de outras ocupações nas últimas décadas, que deram origem a novos loteamentos, como o João Goulart. Há poucos quilômetros da Ocupação Jacobina há outro marco histórico da luta recente dos trabalhadores por direitos: perto da rodoviária de Sapiranga, uma cruz marca o local onde o sindicalista Jair da Costa foi assassinado por policiais militares, em 2005, durante uma manifestação de trabalhadores. Os responsáveis pela morte até hoje não foram julgados.
Um mesmo objetivo: se livrar do aluguel
Ao longo das últimas semanas, a Ocupação Jacobina tornou-se uma pequena vila. Enfrentando muitas precariedades, como a falta de energia elétrica e água encanada, as famílias acampadas foram desenvolvendo uma infraestrutura básica que inclui fogões e fornos de barro, uma cozinha coletiva, um sistema de segurança próprio, um campo de futebol e uma Ciranda que funciona como espaço de recreação e educação para as crianças que estão com suas famílias. Duas professoras e um ajudante se encarregam das atividades com as crianças em dois turnos. As crianças que vão à escola pela manhã, tem Ciranda à tarde, e às que vão à escola à tarde, ficam na Ciranda pela manhã. Sabrina Bitencourt Carvalho, uma das professoras, fala sobre seu trabalho e sobre a ocupação com emoção: “Eu me achei, me encontrei aqui. Eu digo que hoje tenho 63 filhos, os meus três e as outras 60 crianças que estão na Ocupação”.
As estruturas são precárias e provisórias, mas o objetivo é uma conquista definitiva. “Todo mundo que está aqui está buscando a garantia de uma moradia para se livrar do aluguel, que varia entre R$ 350 e R$ 500”, resume Juliane Camargo, da coordenação da ocupação. A maioria trabalha na indústria do calçado, com um salário médio de R$ 900. A terceirização, via pequenos e médios ateliers, é uma prática recorrente por parte das grandes empresas do setor. O relato dos terceirizados é praticamente o mesmo: somando o custo de aluguel, luz e água, não sobra quase nada ou nada para comer, para não falar de outros itens do dia a dia.
Lise Daiane Preto viveu seu aniversário de 28 anos, no dia 5 de junho, dentro da Ocupação Jacobina. “Estou aqui deste o início e posso dizer que está sendo uma experiência muito boa. Eu fui despejada da casa onde morava e pagava um aluguel de R$ 480”, diz, repetindo um relato comum entre muitos integrantes da ocupação. Casada, com dois filhos, Lise trabalha atualmente vendendo produtos de limpeza. “A gente tem que lutar, tem que ir até o fim. Eu vou até o fim nesta luta. Não tenho outra alternativa”, diz Lise, acompanhada de perto pela filha Yasmin, uma extrovertida menina de 6 anos, que já sabe de cor os cantos de mobilização da Ocupação.
Precariedade e invenção
Se, por um lado, é sinônimo de muita precariedade, a ocupação é também um espaço de inventividade e criação. Um exemplo disso é o fogão de barro construído por Daiane Peixoto Wagner, apelidado de “Jipão”. Ela conta que nunca havia feito um antes e se guiou pelo que já havia visto sobre ele. A peça que, além de utensílio de cozinha, transformou-se num potente aquecedor, tem dois ingredientes básicos: barro moldado com as mãos e uma chapa de fogão. Além dos fogões de barro, há hortas brotando em vários cantos do acampamento, inclusive em vasos feitos com garrafas pet. A convivência entre precariedade e invenção de soluções vem desde o primeiro dia da ocupação, quando, por duas vezes, o vento colocou abaixo as barracas construídas. Após o segundo vendaval, no dia 3 de maio, a coordenação da ocupação chamou uma assembleia para ver quem tinha permanecido e foi surpreendida com o fato de que praticamente todos continuavam na área.
Motorista atualmente desempregado e morador de Sapiranga há cerca de 11 anos, Israel Augusto de Brito – “com um ‘t’ só”, brinca – conta que boa parte das pessoas que vieram para a ocupação entregaram as casas que estavam alugando e trouxeram seus móveis. “Na campanha eleitoral, a atual prefeita prometeu construir 2 mil casas. Não fez nenhuma até agora. Cerca de 90% das pessoas que estão aqui já tem cadastro na prefeitura que não encaminhou nenhum projeto de moradia junto ao governo federal”, diz Israel.
“Se vocês não se aventurarem, não vão conseguir nada”
Jeferson Ferreira e Catiane Rodrigues têm dois filhos e pagam aluguel de aproximadamente R$ 350. Inscritos há sete anos no programa Minha Casa, Minha Vida, ainda perseguem o sonho de uma moradia própria. No caso de Catiane, é uma luta que atravessa gerações. Há 12 anos, ela participou de outra ocupação em Sapiranga, acompanhando a mãe, que acabou por conquistar a sua casa. Agora, ela segue o exemplo da mãe e garante que não vai desistir. O marido, Jeferson, relata uma conversa insólita que tiveram com o deputado federal Renato Molling há cerca de dois meses no escritório que o parlamentar mantém em Sapiranga. “Nós questionamos eles sobre pessoas que estão em cima de áreas verdes com canchas de bocha nesta região. Ele não deu muita conversa pra nós, mas falou: Se vocês não se aventurarem, não vão conseguir nada”. Jeferson e Catiane decidiram seguir o conselho do deputado.
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