Era uma vez um país incapaz de aprender com o passado. Em 1954 e 1964, a imprensa e a direita (Carlos Lacerda e a UDN) manipularam a classe média, denunciando a corrupção, até, no primeiro caso, levarem Getúlio Vargas ao suicídio e, no segundo, Jango ao exílio. Em 2016, o PSDB (sucessor da UDN), a mídia e o PMDB de Michel Temer associaram-se para tomar o poder do PT e de Dilma Rousseff.
A narrativa é simples: cansado de perder eleições, o PSDB incentivou a chegada ao poder por um atalho. Por não poder ir direto ao pote, aliou-se ao PMDB, sempre pronto a qualquer coisa, e usou um pretexto jurídico capenga, as pedaladas fiscais, e o velho pretexto da corrupção, para puxar o tapete de Dilma.
A estratégia foi revelada pelo peemedebista Romero Jucá: primeiro tira Dilma, depois “estanca a sangria da Lava Jato”. Mas a Lava Jato continuou. Há muito que Aécio Neves vinha sendo denunciado na famosa Lista de Furnas, mas a mídia amiga fingir não ver. A seletividade poupava os tucanos. Temer para chegar ao poder prometera as reformas dos sonhos do mercado e da mídia parceira. Tinha imunidade.
A ponte para o futuro, chamada de pinguela por FHC, revelou-se um trampolim para o passado.
Reforma trabalhista e da Previdência capazes de abolir até a lei Áurea.
O vaso transbordou. Os delatores começaram a entregar tudo, até o que não deviam.
A própria Lava Jato viu-se ultrapassada pelos fatos. Ouvia o que queria e o que não queria.
Trabalhou-se com provas duvidosas, teoria do domínio do fato, tudo, até a volta das provas tradicionais.
As delações da JBS botaram Aécio e Temer no lamaçal com direito a etiqueta na testa.
As panelas, porém, não soaram como antes.
As ruas ainda não se encheram de verde-amarelo.
Acontece que boa parte do discurso contra a corrupção era só antipetismo.
O petismo fez por merecer seu inferno. Mas foi mais odiado pelos poucos acertos que teve.
O inverossímil da história é que alguém tenha acreditado que Temer e seu bando predador poderiam ser a saída moralizadora para o Brasil corrupto de Lula, Dilma e o PMDB do próprio Temer.
Por que o Brasil quis se enganar assim? Quem se pensava iludir?
Ou a luta de classes, pois é disso que se trata, justificava os meios empregados?
O governo de Temer acabou estrepitosamente.
O vampiresco Michel é um cadáver político apodrecendo no Planalto.
Será mantido em formol para ter tempo de entregar suas reformas?
Há quanto tempo os “blogs sujos” forneciam elementos ignorados para prisão da irmã de Aécio?
Há quanto tempo a imprensa internacional denuncia o golpe no Brasil?
Nos jornais globais o clima é de velório. Temer foi aposta midiática e mercadológica.
Uma conveniência suja para “limpar” o Brasil do seu atraso.
Um jogo de cartas marcadas que não contava com a delação de um trapaceiro.
A frase de Temer, “tem que manter isso, viu?”, para o interlocutor da JBS que o informava da mesada para que Eduardo Cunha não abrisse o bico entrará para a história da canalhice brasileira.
Este diálogo será estudado por anos como expressão do coronelismo tropical:
“Joesley: — Se for você pegar em mãos, vou eu mesmo entregar. Mas, se você mandar alguém de sua confiança, mando alguém da minha confiança.
Aécio: Tem que ser um que a gente mata ele antes de fazer delação. Vai ser o Fred com um cara seu. Vamos combinar o Fred com um cara seu porque ele sai de lá e vai no cara. E você vai me dar uma ajuda do caralho.”
Como ficam aqueles que diziam com orgulho: “Eu não votei no Temer…”
Ter votado em Aécio já não é um atestado de sabedoria moral.
O Brasil está na frente do espelho: gangues em luta pelo controle do poder.